domingo, novembro 29, 2009

Maré.

Estou presa a um amor singular. Não o digo metaforicamente, como se quisesse dizer que ele é único, este amor, não. Estou presa a um amor singular porque só eu o sinto. Ou, pelo menos, só eu me prendo a ele. É, assim está melhor. Cansada de remar contra a maré, de um amor que me condena à solidão, agi pelo facilitismo. Uma noite de festa, uns copos a mais, um beijo a um corpo estranho. Um corpo alto, quente, um beijo longo. O choque de me sentir traidora, até sendo eu a traída, fez-me recuar. Fugi para a noite fria, alguém que me segue. Seguram-me pelos ombros, estou quase a chorar e nem sei de quê.
- Mas estás com alguém?
- Não.
- Gostas de alguém é?
(pausa)
Ele não gosta de mim, está entregue a outra pessoa porque é mais fácil. Porque a maré uma noite o levou. Sou prisioneira de um amor singular e não sou capaz de fazer o mesmo, trair o sentimento que me cruza o peito nas iniciais dele. Insiste, abana-me os ombros:
- É isso não é?
Lembro-me dos olhos dele, profundos, escuros como os meus. Lembro-me dos nossos corpos juntos, os seus lábios cheios procurando os meus. Tem umas mãos tão bonitas, subindo pelas minhas costas altas. Não preciso de fechar os olhos para ver, a nu, as juras de amor trocadas no quarto escuro. Em pleno dia, à beira-mar, também. Os seus olhos escuros, os lábios cheios. O peito traído.
- Não.
Não me vai perguntar o porquê de tanta hesitação, julga que estou com uns copos a mais. Abraça-me e diz-me que não tem mal, que teremos tempo para pensar o que foi isto. Quero chorar e deixar de pensar no que foi aquilo. Não no beijo na noite de festa, isso eu sei o que foi. Fui eu a tentar o facilismo, cansada de remar contra a corrente forte. Mas aquilo. Aquilo que fez com que ele, meu amor singular, escolhesse outro corpo quente, costas altas de outrém, porque seria mais fácil que amar as minhas. Que amar-me a mim, prisioneira da solidão a que me condenou, porque uma noite a maré o levou.

sábado, novembro 28, 2009

Já sabia...

sexta-feira, novembro 27, 2009

Quotidiano. (*)

10.56: Quem vos diz que o 12º ano era pêra doce, engana-vos. Quem vos estipula uma manhã livre à Sexta-Feira, passa-vos uma bela rasteira. Quem vos marca um teste de Biologia depois de um de Química, oferece-vos um rico presente, não haja dúvida! Mas porque é que tu não disseste nada na altura? - pergunto-me tantas vezes.
Hoje é Sexta-Feira e se eu já não gostava delas, este ano muito menos. Esta noite tive dois sonhos: um contigo, outro com a Joana. E agora, tenho uma manhã livre e aulas até ficar de noite. Uma maratona de abre lições, escreve sumários, presta atenção à matéria nova, faz exercícios. Biologia, Matemática, Área de Projecto - maldita! - que na recta final do período quer toda a nossa atenção. Salva-me o meu grupo, as nossas piadas e o nosso amor. Salvam-me também, depois, umas braçadas na piscina com as minha meninas. Não há casal mais bonito ou mesmo romântico do que amigas e desporto.
Passados tantos anos ainda me consegue pesar o fazer a malinha com duas mudas de roupa e as coisas de higiene para ir para casa do pai. Não gosto de ter de decidir o que vestir com tanto tempo de antecedência. Prefiro olhar para mim e para o céu e escolher. Parece-me que vai ser sempre assim.
Entretanto, pelo canto do olho, vou olhando para o telemóvel para verificar que não me disseste mesmo nada. Custa-me esperar assim, em silêncio. Já falámos sobre isto vezes suficientes. Cá eu não gosto de falar para o boneco. Só queria estar enganada. Se me conheces tão bem, como dizes, já o devias saber ou, então, vais acabar por descobrir por ti.
Hoje é Sexta-Feira. Como todas as outras Sextas é dia de Euromilhões. Não jogo. Quando jogo não costumo acertar. Mas sabes o que aposto? Que quando chegar o fim do dia não vou ter nenhuma mensagem tua ou qualquer chamada não atendida. Que vou esperar até me encontrares. Se ainda valer a pena.

(*) Hoje os meus níveis de ironia passam os 100%.

quinta-feira, novembro 26, 2009

Uma novidade.

Eu
gosto
de

mim.

quarta-feira, novembro 25, 2009

Uma noite na cidade.

Quando ele toca à companhia ainda não estou bem pronta. Vou ao espelho duas vezes, perfumo-me no entretanto. O quarto está uma bagunça, experimentei dezenas de conjuntos e acabei por optar pelo primeiro que tinha vestido. Umas calças pretas justas, as botas altas da estação do ano anterior, uma camisola decotada e a gabardine azul. O decote deixa um pouco a desejar, mas talvez ele seja um daqueles homens que alegremente se diz ser de "poucas mamas". Tivera um namorado assim, uma pérola de rapaz, está visto. Antes que me pergunte se pode subir, digo que estou já a descer, não vá ele ver a confusão do meu quarto e o nervosismo parado frente ao espelho largo do hall. Desço as escadas, pego nas chaves de casa. É dos sons que acho mais desvalorizados e é dos que mais gosto: o metálico das chaves umas nas outras, suspensas e baloiçando. Atiro-as para a mala e vou abrir o portão para o ver encostado ao carro. O seu corpo recostado chama a atenção como um ponto de exclamação. Embora não apoie nem incite o hábito de fumar a ninguém, o vício assenta-lhe bem. Deita fora a beata, aproxima-se para me cumprimentar. Está um pouco mais reservado que o habitual, dir-se-ia que a noite o intimida. Talvez seja o meu decote, a deixar um pouco a desejar. Sorrio e não faço cerimónias de princesa, entro no carro num ápice. Quando arranca tínhamos trocado poucas palavras, a noite estava intimidante. A humidade estava no ponto, não deixava chover mas justificava o ter trazido a gabardine e não estava tanto frio como nas noites anteriores. Costumo rezingar com velocidades acima dos limites e curvas apertadas, mas a sua habilidade para manobras casa bem com a segurança com que cruza os carros na estrada - deixo-me levar. A noite está no ponto, até com poucas palavras. Leva-me por caminhos que conheço de cor e olho-os com a atenção de quem nunca os vira antes. Acabaríamos por passear pela cidade velha, os varandins empoleirados sobre as nossas cabeças perscrutam a conversa que nasce sem cerimónias reais. Falo um pouco depressa demais, cerro os olhos e mordo o lábio inferior quando quero perguntar se o chateio com as minhas novidades de quem vende água sem caneco. Ele segura um copo de brandy que pedira num bar e dou conta que a vodka que bebi ao balcão me arde no peito. Receando que me encandeie os seios, fecho mais a gabardine e coro com o pensamento - que estupidez, Joana. Verdade seja esta, quando estou nervosa dá-me para pensar palermices e não sei bem o porquê da inquietação. Talvez seja da vodka, mas qualquer coisa me diz que é capaz de ser do seu corpo alto, chamando a atenção do meu peito como um ponto de exclamação. Ele sorri. O meu peito fala depressa e arde. O meu peito arde como uma cidade velha em chamas, uma beata que ainda fervilha na beira de um passeio.
No regresso a casa vamos mais devagar, menos contra a lei. Não me pergunto se estará reticente em deixar-me ao portão se a noite o intimida. Sorrio, olho-o como se o soubesse de cor. A noite está no ponto, vejo-o agora.

terça-feira, novembro 24, 2009

Alguém que diga o que sinto.

«E eis-me preso à memória escura dos teus olhos, dos teus passos saltitantes, da tua alegria convicta que a partir de certa altura começou a açucarar demasiado a minha vida. Não consigo concentrar-me. Passo os dias com os olhos sobre as letras dos livros que tenho de ler e não consigo entrar neles. E ouço muitas vezes a canção de Pascoal:

A sombra das nuvens no mar
O vento na chuva a dançar
Uma chávena a fumegar
Tudo me falava de ti
A sombra das nuvens desceu
O céu alto arrefeceu
E o mar bravio perdeu
A luz que lhe vinha de ti.

Há quanto tempo não me arde o coração?»
Inês Pedrosa, Fazes-me Falta
Há quanto tempo não te arde o coração?

sábado, novembro 21, 2009

Lição de hoje.

Nunca entregues o teu coração. É muito mais divertido brincares com o dos outros. Sais sempre a ganhar e lágrimas não é contigo.

quinta-feira, novembro 19, 2009

Hoje.

Sorrio-te, Joana. Sorrio-vos mesmo que tudo me esteja a escapar entre os dedos.
(Que está.)

segunda-feira, novembro 16, 2009

O que fazer.

- Amo-te.

Dizem-te e tu dize-lo. E o que fazes com isso? O que fazes com o amor que tens, o amor que dás? O que fazes com o que sentes? De que te serve o peito cheio?

- Amo-te.

O que fazes quando não há quem to dê? O que fazes quando só tens para dar e não tens para receber? O que fazes quando tens um amor tão grande que és capaz de falar dele a completos desconhecidos sem o achar estranho? O que fazes quando te sentes capaz de partilhar uma vida, escolher uma sala de estar no IKEA. O que fazes com essa informação, tendo-a?

- Eu amo-te.

O que fazes quando não é suposto? O que fazes quando sabes que não podes amar essa pessoa? Quando sabes que mais ninguém compreenderá, quando sabes que mais ninguém te vai apoiar e dizer que lutes pelo amor que tens para dar, porque é um amor que não pode ser recebido?

- Eu Amo-te.

Pior, o que fazes quando essa pessoa não tem amor para te dar de volta? E não te compreende e não te vai apoiar nem deixar que lutes porque não quer ter amor para receber? O que é que tu fazes com o amor que sentes, então? De que te serve o peito vazio? O que fazes à vida por partilhar, à sala de estar escolhida no IKEA, ao coração partido nunca em dois, sempre em migalhas?




Enches colheres de sopa, e se tiveres sorte, chega para duas.