segunda-feira, dezembro 28, 2009

Quero sempre o mais difícil.

É mais fácil escrever quando temos uma história para contar, um episódio para recordar ou apenas um misto de raiva e dúvida a fervilhar no peito. Não tenho nada. Também é mais fácil escrever quando nos sentimos vazios de tudo e todos, um ponto branco perdido numa imensidão negra. Não tenho nada, não sou é pessoa de escrever sobre coisas felizes, parece-me. Escrevo-as e não me parecem estar bem estruturadas apesar de sintáctica e morfologicamente concordantes.
Queria descrever a forma como me sinto, sem hesitar, estou bem! Mas não estou. Se estivesse não estaria a desenhar pontos de interrogação sobre todos os meus sorrisos, sobre esta minha felicidade e falta de inspiração para a escrita. Queria que os meus dedos em vez de vida tivessem magia para me fazer saltar no tempo. Queria parar de pensar em ti e achar que os erros foram todos meus.
Um bem haja aos amigos que nos querem sempre dar a provar doces. Tenho um que me quer fazer acreditar que não sou uma pessoa complicada - vejam bem! - porque jura a pés juntos que eu só tenho uma forma completa de me expressar. Talvez. Talvez mais do que completa seja complexa.
E como estou a escrever todo este mar de sentimentos, assim de repente, apercebo-me de que ponho dúvidas e desejos em todos os parágrafos. Sou difícil. Mais uma vez, sou assim.

sexta-feira, dezembro 25, 2009

O amor é tramado.

A história de amor do meu avô é uma história deveras banal. Um funcionário das finanças, pelo seu vigésimo aniversário, conhece professora regente que foi, já não sabe a mando de quem, pedir meia folha selada. Na altura os carimbos figuravam nas pontas do papel que seria, então, cortado, a meio. Teria então a professora regente de Felgueiras, que viria a ser muitos anos depois minha avó, o seu meio papel selado, não fosse o meu avô, um funcionário de finanças, um charlatão. Galanteou-a com a subtileza de um mestre de esgrima, deu-lhe a mão com a seriedade de uma raposa. Na altura, explicou-me o meu avô, era deprimente para um jovem rapaz, na casa dos seus vinte e um, andar com uma mulher que fosse, vá, desfazada. Diz-me ele, hoje, que desfazada queria então dizer mulher-que-anda-com-uns-quantos. O que hoje tão vulgarmente se chama de nomes mais sujos, mais cheios e ilustrativos, era então disfarçado com meia dúzia de sílabas díficeis. A minha avó não era uma senhora dessas, gaba-se o meu avô, enquanto me conta a sua história de amor. Recomeça muitas vezes, às vezes o meu avô esquece-se de contar coisas importantes e volta ao ponto de partida para que perceba a sua história, deveras banal. Um funcionário das finanças, que viria a ser meu avô, apaixona-se pela professora regente da freguesia, então sem tenções de ser avó, num casual encontro já não se sabe a mando de que abençoada alma. A meia folha selada foi o pretexto para mais encontros. A minha avó usou tantas desculpas tantas quantas pôde para ir às finanças, diz o meu avô, gabando-se, que quantas vezes ela fora comprar papéis sem qualquer importância. Queixa-se a minha avó que na altura muito trabalhou para ter escudos para esses papéis, de muita importância!, exclama desculpando-se. Interrompe muitas vezes o meu avô, gesticula muito que essas histórias não interessam, que estás a maçar a miúda, João. O avô faz ouvidos de mercador, chega-se mais para perto de mim, continua a explicar-me como já conhecia a irmã da minha avó sem saber. Parece que ela trabalhava no mesmo edificio, na contabilidade, sussurra-me que era uma depravada. Parece que, naquele tempo, depravada tinha o mesmo significado que tem nos dias de correm:
- Vê lá tu que foi dizer à tua avó que me namorava!
- E namoravam?
- Não! Ela é tola.. já o era, na altura.
Rio-me baixinho, é quase um sorriso tremido. O meu avô cerra muito os seus olhos azuis para me dizer que sou afortunada por não herdar a toléria do lado paterno. Conta-me como agarrou a mais bonita das irmãs, minha avó, com o seu jeito de esgrima e raposa.
- Tinha muitas mulheres atrás de mim!
- Bonitas, 'Vô?
Sorri um sorriso malicioso, foca um ponto no espaço que não vejo. Não está mais comigo na sala, parece espairecer para outro tempo. Um onde muitas mulheres o perseguem, clamando aos seus olhos muito azuis que são filhas de patrões e donas de muitas terras. A pergunta paira no ar, a minha avó chama-me ao telefone. É a tal tia, tola depravada sua irmã, que me pergunta se já tenho noivo em vista. Respondo, educadamente, que não senhora, ainda não me caso este ano. Talvez para o próximo. O meu avô, no sofá, regressou à sala, muitos anos mais velho e sem garotas suas seguidoras, gesticula mudo que a mulher é tola. Já o era, no tempo em que se apaixonou pela minha avó. Diz o meu avô que então para se casar foi tramado. Gosto da maneira como pronuncia palavras às quais não está muito habituado. Tramado é uma delas, coisa de gente nova que ouve nas bocas dos filhos, nas bocas dos netos e do senhor Jorge do quiosque da frente, quando quer falar do seu Sporting. Carrega nas sílabas, como se não se quisesse enganar:
- Casar com a tua avó foi tra-ma-do.
Explica-me porquê. Ao que parece o pai da minha avó era um senhor de poder e nome, nascera num berço de ouro mas nada dera a nenhum dos seus. Exigia pouco de si, mas demandava a todos o céu e os mares. Imaginava as suas doze filhas noivas de humildes farmacêuticos, doutores cujo tratamento nunca fosse abaixo do Vossa Excelência. Pois nem a minha avó, sua filha, era excepção, nem o meu avô, então funcionário das finanças, a nenhum dos requesitos bastava.
- Escrevi muito à tua avó - relata com orgulho - mas chegou o dia de enfrentar o pai dela.
Na minha cabeça fértil, terei herdado um pouco da toléria paterna, vejo o meu avô altissimo e envergando uma espada, descendo de um cavalo soberbo. Leva a mão ao peito de cada vez que diz o nome da minha avó ao esperado sogro e promete conquistas de terras estrangeiras e bom vinho em troca da sua mão. Mas como a história de amor do meu avô foi uma história deveras banal, parece que tudo ficou arranjado num jantar a três. Coisa moderna, das que se ouvem na boca de filhos, na boca de netos e na da D. Ana da farmácia, quando quer dizer que a sua Júlia lhe apresentou o namoro.
- Quero casar com o João, pai.
Tratarem-se pelo nome próprio é a prova inusitada que, noutro tempo, tiveram intimidade para carinhos mais próprios, mais seus. Gaba-se o avô que sim, que tinham tratos carinhosos. Vai a dizer quais mas a avó interrompe, que a miúda não precisa de saber tanto, gesticula muito e cora mais ainda.
Rio um sorriso tremido, comovido. Não acho a sua história banal. É de amor - no fundo, nunca o poderia ser.

Querido Pai Natal.

Este ano portei-me mesmo bem e o ano passado foste um patife comigo. Este Natal compensas a dobrar e esquecemos assunto?

domingo, dezembro 20, 2009

Até amanhã.

A medo, olho o céu escuro. Daqui não se vêm as estrelas e respiro fundo. Tanto melhor, é da maneira que não te vejo nelas, no mistério do seu brilho e na distância que as separa dos meus olhos. Quase a mesma que afasta o meu corpo do teu, ou assim eu a concebo. Misteriosa, maldita e escura distância. Enquanto não houver estrelas não saberás de que cor são os meus olhos e enquanto for escuro não poderás ver como fico elegante de vermelho e negro. Terás, então, de acreditar que o sou porque to digo, de vermelho e negro. Ver-te-ás obrigado a crer nas palavras graves que nunca ouviste da minha boca. A minha boca é pequena, sem o saberes, mas o meu sorriso não se contém. Porque não me podes ver - hoje não há estrelas - gostava que me quisesses ouvir. A minha voz é grave - e não o sabes. Desconheces como eu, quando rouca, afundo as consoantes num timbre quase inaudível, um baque quente de sussurros, em vogais mudas e afogadas aos meus lábios. Cego, desenha com o teu dedo os meus lábios. Presta cuidado, a minha boca é pequena. Lança agora o esboço da tua alma às estrelas, talvez elas voltem amanhã. Poderás então mergulhar nos meus olhos cor de avelã e afogar-te com as palavras. E a minha voz, talvez amanhã, valer-te-á mais que qualquer vogal lida. Esquecer-te-às de qualquer sentido que não a visão, que me contemplará, cativa. O meu corpo encontrará o teu, a medo, como o meu olhar se há-de encontrar com as estrelas. Ser-te-ei mais que a lua, e talvez amanhã. Por hoje, que te beije ela de boa noite. Não sei - cega - como é a tua boca. Misteriosa, maldita e escura distância.

sábado, dezembro 19, 2009

A vida é como um cigarro: faz mal à saúde, é curta e bem melhor quando partilhada.

segunda-feira, dezembro 14, 2009

Foi a minha carta de Natal, tu sabes.

Se algum dia alguém te perguntar se já recebeste uma carta de amor diz-lhes que sim. Se algum dia alguém se queixar do romantismo moderno, nada romântico, diz-lhes que estão enganados – tu és amado, à antiga. Para Sempre. Pena Para Sempre não ser sinónimo de ainda saber ler as tuas mãos e ver a nossa felicidade. Pena Para Sempre não ser sinónimo de te continuar a ouvir entoar melodias ao meu ouvido. Pena Para Sempre não ter um sentido literal.
O que te dou é teu. Não to tiro, não o quero de volta mas não posso deixar de duvidar e de duvidar cada vez mais. Se pensas, ou alguma vez pensaste, que só gosto de ti quando és doce como o mel ou quente como o Verão, enganas-te. Gosto de ti por completo, em qualquer estação do ano. Apesar disso, mudaste. Mudei, também, com certeza. Mudámos - quem sabe? – e deixámos em pausa o filme em que éramos personagens que davam, pediam, acreditavam, recebiam e faziam promessas. Não peço (mais) nada, já disse, mas é Natal e todas as crianças pedem algo ao Pai Natal. Hoje, também sou criança e peço-lhe que te traga de volta ou que te diga, durante um sonho, que só preciso dos teus sorrisos. Sou criança e peço às estrelas que te desenhem, que desenhem o nosso amor junto à lua.
Quando não te desenho um sorriso nos meus lábios, sorrio-te com os olhos. Quando te sorrio com os olhos, falo-te com os ouvidos. Já não há palavras que me valham. Não há um idioma que seja o meu, um pelo qual me consigo expressar. Como se diz “As minhas saudades tuas matam-me”, na tua língua? Tento agarrar o teu braço para que o teu cheiro se espalhe em mim, tento andar perto de ti para que os teus passos, maiores que os meus, apanhem os meus pés. Eu... (...) O que falta é nosso.

domingo, dezembro 13, 2009

«Pata na poça.»

Estou completamente do avesso. Sem roupa é melhor.

sexta-feira, dezembro 04, 2009

Palavras agridoces.

A luz desce meio tom. O burburinho da sala morre nas nossas mãos, que brincam com plasticina como pequenas crianças. Lembro-me de pensar que isto seria estúpido, brincarmos com plasticina como pequenas crianças. Depressa percebi que não tem mal sermos crianças pequenas de vez em quando. A sala está quase apagada agora, as pessoas em redor falam baixinho, a meio tom. Os teus olhos brilham no escuro, como um pijama que eu tive quando era pequena criança e brincava com plasticina.
- Se há coisa a que não tenho jeito nenhum é a artes.
Estou a esforçar-me para fazer uma boneca amarela. Tem o cabelo muito armado, o cabelo muito ruivo.
- Hum.. então não serves para mim, Joana.
Com um sorriso tímido nos lábios, envergas o teu boneco azul. É um menino magro, um menino alto.
- Acho que já tínhamos chegado a essa conclusão.
Olho o chão, tímida. Os teus brilham no escuro e esperam o reencontro dos meus. Isto é estúpido, olhar o chão tímida. Quando te encaro, não sorris, mas é como se sim.
- Pois já.
Abraças-me com um carinho imenso. Sinto-o no suspiro que soltas no meu cabelo, hoje não tão armado, hoje já não tão ruivo. A luz apaga-se completamente e uma voz soergue-se entre as restantes, sobre o burburinho de fundo. Não é a tua, mas é como se sim.
O concerto foi sobre o amor. Sobre o nosso, mas é como se não.

quarta-feira, dezembro 02, 2009

I'm bald... and beautiful. (...) I love you for reasons that have nothing to do with your hair.

terça-feira, dezembro 01, 2009

Quando olho à minha volta...

Não é só na Primavera, digo-to eu. No Natal, o amor também consegue crescer entre nós - num sentido muito vasto. Hoje vi-o. Estava mesmo à sua frente. Tinha a forma de uns olhos muito grandes, muito brilhantes, muito doces, um sorriso largo e, sinto-me capaz de apostar, com um cheiro a mel. Não é óbvio? Mas ele fechou os olhos. (E quando o fazes comigo... Vezes demais, se calhar. Se calhar não.)
P.S. Queria escrever, queria. Mas, confesso-te-vos, estou vazia.

domingo, novembro 29, 2009

Maré.

Estou presa a um amor singular. Não o digo metaforicamente, como se quisesse dizer que ele é único, este amor, não. Estou presa a um amor singular porque só eu o sinto. Ou, pelo menos, só eu me prendo a ele. É, assim está melhor. Cansada de remar contra a maré, de um amor que me condena à solidão, agi pelo facilitismo. Uma noite de festa, uns copos a mais, um beijo a um corpo estranho. Um corpo alto, quente, um beijo longo. O choque de me sentir traidora, até sendo eu a traída, fez-me recuar. Fugi para a noite fria, alguém que me segue. Seguram-me pelos ombros, estou quase a chorar e nem sei de quê.
- Mas estás com alguém?
- Não.
- Gostas de alguém é?
(pausa)
Ele não gosta de mim, está entregue a outra pessoa porque é mais fácil. Porque a maré uma noite o levou. Sou prisioneira de um amor singular e não sou capaz de fazer o mesmo, trair o sentimento que me cruza o peito nas iniciais dele. Insiste, abana-me os ombros:
- É isso não é?
Lembro-me dos olhos dele, profundos, escuros como os meus. Lembro-me dos nossos corpos juntos, os seus lábios cheios procurando os meus. Tem umas mãos tão bonitas, subindo pelas minhas costas altas. Não preciso de fechar os olhos para ver, a nu, as juras de amor trocadas no quarto escuro. Em pleno dia, à beira-mar, também. Os seus olhos escuros, os lábios cheios. O peito traído.
- Não.
Não me vai perguntar o porquê de tanta hesitação, julga que estou com uns copos a mais. Abraça-me e diz-me que não tem mal, que teremos tempo para pensar o que foi isto. Quero chorar e deixar de pensar no que foi aquilo. Não no beijo na noite de festa, isso eu sei o que foi. Fui eu a tentar o facilismo, cansada de remar contra a corrente forte. Mas aquilo. Aquilo que fez com que ele, meu amor singular, escolhesse outro corpo quente, costas altas de outrém, porque seria mais fácil que amar as minhas. Que amar-me a mim, prisioneira da solidão a que me condenou, porque uma noite a maré o levou.

sábado, novembro 28, 2009

Já sabia...

sexta-feira, novembro 27, 2009

Quotidiano. (*)

10.56: Quem vos diz que o 12º ano era pêra doce, engana-vos. Quem vos estipula uma manhã livre à Sexta-Feira, passa-vos uma bela rasteira. Quem vos marca um teste de Biologia depois de um de Química, oferece-vos um rico presente, não haja dúvida! Mas porque é que tu não disseste nada na altura? - pergunto-me tantas vezes.
Hoje é Sexta-Feira e se eu já não gostava delas, este ano muito menos. Esta noite tive dois sonhos: um contigo, outro com a Joana. E agora, tenho uma manhã livre e aulas até ficar de noite. Uma maratona de abre lições, escreve sumários, presta atenção à matéria nova, faz exercícios. Biologia, Matemática, Área de Projecto - maldita! - que na recta final do período quer toda a nossa atenção. Salva-me o meu grupo, as nossas piadas e o nosso amor. Salvam-me também, depois, umas braçadas na piscina com as minha meninas. Não há casal mais bonito ou mesmo romântico do que amigas e desporto.
Passados tantos anos ainda me consegue pesar o fazer a malinha com duas mudas de roupa e as coisas de higiene para ir para casa do pai. Não gosto de ter de decidir o que vestir com tanto tempo de antecedência. Prefiro olhar para mim e para o céu e escolher. Parece-me que vai ser sempre assim.
Entretanto, pelo canto do olho, vou olhando para o telemóvel para verificar que não me disseste mesmo nada. Custa-me esperar assim, em silêncio. Já falámos sobre isto vezes suficientes. Cá eu não gosto de falar para o boneco. Só queria estar enganada. Se me conheces tão bem, como dizes, já o devias saber ou, então, vais acabar por descobrir por ti.
Hoje é Sexta-Feira. Como todas as outras Sextas é dia de Euromilhões. Não jogo. Quando jogo não costumo acertar. Mas sabes o que aposto? Que quando chegar o fim do dia não vou ter nenhuma mensagem tua ou qualquer chamada não atendida. Que vou esperar até me encontrares. Se ainda valer a pena.

(*) Hoje os meus níveis de ironia passam os 100%.

quinta-feira, novembro 26, 2009

Uma novidade.

Eu
gosto
de

mim.

quarta-feira, novembro 25, 2009

Uma noite na cidade.

Quando ele toca à companhia ainda não estou bem pronta. Vou ao espelho duas vezes, perfumo-me no entretanto. O quarto está uma bagunça, experimentei dezenas de conjuntos e acabei por optar pelo primeiro que tinha vestido. Umas calças pretas justas, as botas altas da estação do ano anterior, uma camisola decotada e a gabardine azul. O decote deixa um pouco a desejar, mas talvez ele seja um daqueles homens que alegremente se diz ser de "poucas mamas". Tivera um namorado assim, uma pérola de rapaz, está visto. Antes que me pergunte se pode subir, digo que estou já a descer, não vá ele ver a confusão do meu quarto e o nervosismo parado frente ao espelho largo do hall. Desço as escadas, pego nas chaves de casa. É dos sons que acho mais desvalorizados e é dos que mais gosto: o metálico das chaves umas nas outras, suspensas e baloiçando. Atiro-as para a mala e vou abrir o portão para o ver encostado ao carro. O seu corpo recostado chama a atenção como um ponto de exclamação. Embora não apoie nem incite o hábito de fumar a ninguém, o vício assenta-lhe bem. Deita fora a beata, aproxima-se para me cumprimentar. Está um pouco mais reservado que o habitual, dir-se-ia que a noite o intimida. Talvez seja o meu decote, a deixar um pouco a desejar. Sorrio e não faço cerimónias de princesa, entro no carro num ápice. Quando arranca tínhamos trocado poucas palavras, a noite estava intimidante. A humidade estava no ponto, não deixava chover mas justificava o ter trazido a gabardine e não estava tanto frio como nas noites anteriores. Costumo rezingar com velocidades acima dos limites e curvas apertadas, mas a sua habilidade para manobras casa bem com a segurança com que cruza os carros na estrada - deixo-me levar. A noite está no ponto, até com poucas palavras. Leva-me por caminhos que conheço de cor e olho-os com a atenção de quem nunca os vira antes. Acabaríamos por passear pela cidade velha, os varandins empoleirados sobre as nossas cabeças perscrutam a conversa que nasce sem cerimónias reais. Falo um pouco depressa demais, cerro os olhos e mordo o lábio inferior quando quero perguntar se o chateio com as minhas novidades de quem vende água sem caneco. Ele segura um copo de brandy que pedira num bar e dou conta que a vodka que bebi ao balcão me arde no peito. Receando que me encandeie os seios, fecho mais a gabardine e coro com o pensamento - que estupidez, Joana. Verdade seja esta, quando estou nervosa dá-me para pensar palermices e não sei bem o porquê da inquietação. Talvez seja da vodka, mas qualquer coisa me diz que é capaz de ser do seu corpo alto, chamando a atenção do meu peito como um ponto de exclamação. Ele sorri. O meu peito fala depressa e arde. O meu peito arde como uma cidade velha em chamas, uma beata que ainda fervilha na beira de um passeio.
No regresso a casa vamos mais devagar, menos contra a lei. Não me pergunto se estará reticente em deixar-me ao portão se a noite o intimida. Sorrio, olho-o como se o soubesse de cor. A noite está no ponto, vejo-o agora.

terça-feira, novembro 24, 2009

Alguém que diga o que sinto.

«E eis-me preso à memória escura dos teus olhos, dos teus passos saltitantes, da tua alegria convicta que a partir de certa altura começou a açucarar demasiado a minha vida. Não consigo concentrar-me. Passo os dias com os olhos sobre as letras dos livros que tenho de ler e não consigo entrar neles. E ouço muitas vezes a canção de Pascoal:

A sombra das nuvens no mar
O vento na chuva a dançar
Uma chávena a fumegar
Tudo me falava de ti
A sombra das nuvens desceu
O céu alto arrefeceu
E o mar bravio perdeu
A luz que lhe vinha de ti.

Há quanto tempo não me arde o coração?»
Inês Pedrosa, Fazes-me Falta
Há quanto tempo não te arde o coração?

sábado, novembro 21, 2009

Lição de hoje.

Nunca entregues o teu coração. É muito mais divertido brincares com o dos outros. Sais sempre a ganhar e lágrimas não é contigo.

quinta-feira, novembro 19, 2009

Hoje.

Sorrio-te, Joana. Sorrio-vos mesmo que tudo me esteja a escapar entre os dedos.
(Que está.)

segunda-feira, novembro 16, 2009

O que fazer.

- Amo-te.

Dizem-te e tu dize-lo. E o que fazes com isso? O que fazes com o amor que tens, o amor que dás? O que fazes com o que sentes? De que te serve o peito cheio?

- Amo-te.

O que fazes quando não há quem to dê? O que fazes quando só tens para dar e não tens para receber? O que fazes quando tens um amor tão grande que és capaz de falar dele a completos desconhecidos sem o achar estranho? O que fazes quando te sentes capaz de partilhar uma vida, escolher uma sala de estar no IKEA. O que fazes com essa informação, tendo-a?

- Eu amo-te.

O que fazes quando não é suposto? O que fazes quando sabes que não podes amar essa pessoa? Quando sabes que mais ninguém compreenderá, quando sabes que mais ninguém te vai apoiar e dizer que lutes pelo amor que tens para dar, porque é um amor que não pode ser recebido?

- Eu Amo-te.

Pior, o que fazes quando essa pessoa não tem amor para te dar de volta? E não te compreende e não te vai apoiar nem deixar que lutes porque não quer ter amor para receber? O que é que tu fazes com o amor que sentes, então? De que te serve o peito vazio? O que fazes à vida por partilhar, à sala de estar escolhida no IKEA, ao coração partido nunca em dois, sempre em migalhas?




Enches colheres de sopa, e se tiveres sorte, chega para duas.