Estou presa a um amor singular. Não o digo metaforicamente, como se quisesse dizer que ele é único, este amor, não. Estou presa a um amor singular porque só eu o sinto. Ou, pelo menos, só eu me prendo a ele. É, assim está melhor. Cansada de remar contra a maré, de um amor que me condena à solidão, agi pelo facilitismo. Uma noite de festa, uns copos a mais, um beijo a um corpo estranho. Um corpo alto, quente, um beijo longo. O choque de me sentir traidora, até sendo eu a traída, fez-me recuar. Fugi para a noite fria, alguém que me segue. Seguram-me pelos ombros, estou quase a chorar e nem sei de quê.
- Mas estás com alguém?
- Não.
- Gostas de alguém é?
(pausa)
Ele não gosta de mim, está entregue a outra pessoa porque é mais fácil. Porque a maré uma noite o levou. Sou prisioneira de um amor singular e não sou capaz de fazer o mesmo, trair o sentimento que me cruza o peito nas iniciais dele. Insiste, abana-me os ombros:
- É isso não é?
Lembro-me dos olhos dele, profundos, escuros como os meus. Lembro-me dos nossos corpos juntos, os seus lábios cheios procurando os meus. Tem umas mãos tão bonitas, subindo pelas minhas costas altas. Não preciso de fechar os olhos para ver, a nu, as juras de amor trocadas no quarto escuro. Em pleno dia, à beira-mar, também. Os seus olhos escuros, os lábios cheios. O peito traído.
- Não.
Não me vai perguntar o porquê de tanta hesitação, julga que estou com uns copos a mais. Abraça-me e diz-me que não tem mal, que teremos tempo para pensar o que foi isto. Quero chorar e deixar de pensar no que foi aquilo. Não no beijo na noite de festa, isso eu sei o que foi. Fui eu a tentar o facilismo, cansada de remar contra a corrente forte. Mas aquilo. Aquilo que fez com que ele, meu amor singular, escolhesse outro corpo quente, costas altas de outrém, porque seria mais fácil que amar as minhas. Que amar-me a mim, prisioneira da solidão a que me condenou, porque uma noite a maré o levou.